NAFISM entrevista... Bruno Cabral
João Branco, Junho 2013
O NAFISM esteve à conversa com Bruno Cabral, 29 anos, há 12 como árbitro da Associação de Futebol de Ponta Delgada e sócio n.º 02 do NAFISM.
NAFISM: De onde surgiu a ideia de criar um núcleo de árbitros de futebol?
BRUNO CABRAL: A criação de um núcleo surgiu durante a “tempestade” que se abateu sobre a arbitragem micaelense no início da época de 2011/12, em que foram necessárias diversas reuniões entre os árbitros para definir o futuro da arbitragem e, nomeadamente, resolver um tema que estava na ordem do dia. O núcleo já era um sonho antigo, mas tornou-se numa prioridade, pois havia a necessidade de se ter uma ordem de ideias e, sobretudo, uma ordem nas reuniões, pois imperava o “falo eu agora e calas-te tu que és mais maçarico”. Além disso, as reuniões nunca tinham um local certo. Inclusive, reunimos num parque de estacionamento de um bar, algo que não era nada satisfatório para o tema em debate e, muito menos, prestigioso para a classe.
N.: A criação do NAFISM já vinha sendo desejada por muitos árbitros há algum tempo. O que procuravam aquando da formação do núcleo?
B.C.: Como já referi, o que se procurava era uma instituição que falasse em nome de todos os árbitros e que, ao mesmo tempo, desse condições para que os temas importantes da arbitragem fossem tratados com a dignidade que esta classe merece. Além do mais, a arbitragem micaelense há muito que merecia uma instituição que ajudasse a evoluir ainda mais do que estava a acontecer até ao momento. A criação de um núcleo havia sido tentada um ou dois anos antes, mas sem grande sucesso junto dos árbitros, uns pelo motivo A outros pelo B. Mas, numa altura em que era urgente a união da classe, conseguiu-se que com um pequeno grupo de árbitros se começasse a delinear o projecto que hoje em dia tem por nome NAFISM - Núcleo de Árbitros de Futebol da Ilha de São Miguel, cujo lema é “unidos por uma arbitragem melhor”.
N.: A criação desta instituição não foi uma tarefa fácil. Qual foi a maior dificuldade para que este projeto se tornasse real?
B.C.: A maior dificuldade esbateu-se com o facto de ter pessoas capazes de levar a bom porto este projeto. Como todos nós sabemos, ser árbitro é algo que nos ocupa muito tempo livre e, após alguns convites, percebi que esse seria o maior entrave à constituição de um núcleo. Mas depois de se desenvolver estes contatos, foi possível dar início ao projeto com doze elementos, que vieram mais tarde a compor os órgãos sociais. Outra das dificuldades foi, obviamente, a nível financeiro. Foi sempre um dos principais objetivos dos elementos que compõem o grupo de trabalho registar o núcleo e torná-lo oficialmente uma instituição, pois existem dezenas de núcleos em Portugal, mas só um “punhado” deles estão legalizados e esse foi um objetivo que foi conseguido graças ao apoio dos sócios, que de pronto se inscreveram e com o seu apoio financeiro (jóias e quotas) foi possível criar o núcleo.
N.: Ouve-se, muitas vezes, que o NAFISM mudou a arbitragem micaelense. Quais foram as lacunas que o núcleo dos árbitros micaelenses veio preencher?
B.C.: Principalmente na organização da arbitragem, a nível de “presença” na Associação de Futebol de Ponta Delgada. É certo que tínhamos na altura um Conselho de Arbitragem que sempre tentou defender os árbitros, mas como é óbvio, e facilmente percetível, não poderiam “dar a cara” a todas as lutas, pois eles estavam ligados a “casa-mãe” e nem sempre por motivos estatutários era possível defender a 100% a causa dos árbitros. Penso que com a criação do NAFISM, a defesa dos direitos dos árbitros (nossos associados) ficou verdadeiramente vincada e assim foi possível esgrimir outros argumentos que, até à data, nem sempre tinham sido possíveis. Outra lacuna que o NAFISM veio preencher foi na formação contínua dos árbitros. Inicialmente, o ex-Conselho mensalmente efetuava um trabalho junto dos árbitros, com vídeos e trabalhos apresentados pelos próprios árbitros, mas depois essa ideia havia sido “abandonada” e muito pouco se fazia além das reciclagens bianuais. Esta prática, que muito veio a dar à arbitragem, foi, como disse, “abandonada” e logo após a criação do NAFISM, uma das prioridades foi trabalhar a este nível e começamos então a fazer as sessões técnicas. Uma outra lacuna prendia-se com os treinos, que só eram uma ideia incutida nas equipas de arbitragem dos nacionais, e cheguei a ver dois ou três árbitros a treinar. Para isso, muito contribuiu a criação do Centro de Treinos, exemplarmente orientado pelo nosso sócio Mário Botelho. De um momento para o outro passou-se a ter uma afluência que até nos surpreendeu, com dias em que os treinos chegavam aos 30 árbitros.
N.: Como todos sabemos, foste um dos principais impulsionadores da ideia de criar um núcleo. O que significa para ti o NAFISM?
B.C.: Bem, é uma pergunta fácil de responder mas ao mesmo tempo difícil. Admito que ideia partiu um pouco de mim, e fui eu que iniciei os primeiros contatos, começando por alguns árbitros “mais velhos” e depois abordando os mais conceituados da nossa arbitragem. Após alguns contatos, senti que tínhamos pernas para andar e abracei esse projecto como tudo o que faço na vida, “de corpo e alma”. Neste momento, o núcleo tem uma grande importância para mim, pois sinto que assim dei um grande contributo à arbitragem micaelense, algo que como árbitro nunca consegui, visto que, tirando algumas incursões pelos nacionais como árbitro assistente, pouco mais, verdade seja dita, contribuí. Como referi, com o avançar do projeto fui dando um pouco mais de mim e consegui, com a ajuda dos meus colegas de direção, criar um núcleo. Conseguimos colocar a arbitragem micaelense ao nível da nacional, dando condições de treino aos árbitros e trabalhando para sua evolução. O NAFISM é hoje em dia uma instituição reconhecida a nível nacional e isso contribui para “limpar a imagem” de que nós, árbitros micaelenses e açorianos até, treinávamos com as “vaquinhas” e estávamos aqui perdidos no meio do oceano. É com muito orgulho que faço parte desta instituição, da qual tenho um enorme prazer em ter sido um dos impulsionadores, fundadores e o primeiro vice-presidente.
N.: Às vezes, por brincadeira, costuma-se dizer que és o “dono do núcleo”. Consideras-te o pai desta instituição?
B.C.: Esta brincadeira começou nos treinos, em que dois bons amigos (Rui Cabral e Sérgio Costa) foram espalhando essa alcunha. Tenho que confessar que de início incomodava-me. Apesar de saber que o faziam por brincadeira, era algo que me deixava desconfortável, pois mesmo tendo sido um dos principais impulsionadores, tinha comigo uma equipa constituída por pessoas de muito valor e que todos eles, de uma forma ou de outra, deram muito à criação do núcleo. Mas perguntas se me considero pai desta instituição (risos). Seria hipócrita da minha parte não pensar que, sendo um dos principais responsáveis pela sua criação, não poderia esta instituição ser órfão e então sim poderemos pensar em eu ser o pai (visto que para o papel de mãe tenho pouco jeito (risos)). Mais a sério, volto a dizer que não acho que seja nem o dono nem o pai do núcleo. Sei a importância que tive na criação do núcleo e da importância que tenho na sua continuidade, porque ao longo destes quase dois anos (desde as primeiras reuniões, passando pela sua criação oficial e até aos dias de hoje) foram muitas horas dedicadas ao núcleo e, mais uma vez, como todos os árbitros, em deterioramento da família e amigos. Mas como disse, é com muito orgulho que represento esta grande instituição e confesso que até tenho orgulho em que os meus colegas me homenageiem desta forma.
N.: Pertencer à direção desta instituição deve ser uma tarefa árdua. Para ti, qual é a maior dificuldade em conciliar a tua vida pessoal com a direção do NAFISM?
B.C.: Tenho que saber organizar os tempos livres para poder conciliar com todas as restantes tarefas que já me ocupam os dias. Mas como qualquer árbitro, sabemos sempre dar um pouco mais de nós para a arbitragem. Nunca fui uma pessoa de estar quieto e sempre gostei de ter todos os meus tempos livres ocupados, pelo que não foi assim tão difícil dispensar mais uns “minutinhos” ao núcleo. Para isso, tenho que ressalvar a paciência que a minha esposa teve durante estes dois anos de reuniões e noitadas até altas horas, a enviar emails, a trabalhar no site e Facebook, etc. Contudo, ela sabe que isso faz parte da minha vida e por isso compreende e apoia-me em todas as minhas decisões. Quando decidi abraçar esse projeto, ela foi a primeira a ser ouvida e é sempre uma opinião muito válida em algumas decisões, mesmo quando se trata do núcleo. Não dispenso a sua opinião e como diz o povo, “atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher”. A ela agradeço a sua paciência e dedicação à nossa família, não esquecendo o meu filho que por vezes fica “para trás” por causa da arbitragem.
N.: NAFISM tem uma direção consolidada. Contudo, pretendes, num futuro próximo, formar uma lista e concorrer à presidência do núcleo?
B.C.: Neste momento ainda nos falta cerca de um ano de mandato e, sinceramente, nem eu, e penso que nem os meus colegas, estamos preocupados com essa questão. Estamos a desenvolver um bom trabalho a vários níveis e sempre com o objetivo de unir a arbitragem e lutar pela sua evolução. Relativamente a presidência do núcleo, essa ideia de ser eu o presidente foi abordada no início, mas sempre foi da minha opinião que o presidente do NAFISM deveria ser alguém que representasse bem a arbitragem, não só pelo seu carisma e personalidade, mas pelos anos dedicados a essa nobre causa e ai, o Fernando Pereira foi, como se costuma dizer, “assentar que nem uma luva”. É um ex-árbitro, com mais de 15 anos dedicados a esta nobre causa, é uma pessoa respeitada por todos os árbitros (sócios e não sócios) e tem uma personalidade de líder. Costumo dizer que o futuro não me preocupa muito, pois vivo o presente, mas ao mesmo tempo não poderei dizer que “desta água não beberei”. Certamente que mais perto das eleições iremos, em conjunto, analisar se iremos continuar ou não ligados à direção e quem sabe o que o futuro me reserva…
N.: Que projetos a direção do núcleo tem para o futuro?
B.C.: Neste momento a direcção está dedicada a 100% a realização do I Torneio NAFISM, que está inserido nas comemorações do 1.º aniversário. Depois deste evento, vamos nos reunir e começar a planear a próxima época. Posso, contudo, adiantar que o maior projeto que se avizinha prende-se com a sede do núcleo, já que, apesar de jovem, sempre teve como objetivo ter “casa própria” para dar ainda maior dignidade à instituição e aos seus associados. Contamos, em breve, ter novidades sobre esse tema, pois já estamos em contatos, nomeadamente com a Câmara Municipal de Ponta Delgada, que nos está a tentar ceder um espaço para a instalação da sede. Outro dos objectivos do NAFISM irá ser uma aposta de continuidade na formação dos nossos associados, tanto a nível teórico e prático como a outros níveis (psicologia e pedagogia desportiva, nutrição, técnicas de arbitragem e metodologia de treino entre outras componente), indo ao encontro com o que de melhor se faz a nível nacional, e aproveitando, assim, os recursos humanos disponíveis, como é o caso dos nossos associados que militam na FPF, LIGA e FIFA. Iremos, de igual forma, tentar fazer uma abordagem cada vez mais estreita com o atual Conselho de Arbitragem, para que, em conjunto, se consiga levar a arbitragem ao patamar que se pretende, ou seja, à excelência. Como costumo dizer, qualidade existe no seio da arbitragem, mas é preciso continuar a trabalhar em conjunto para que cada vez mais árbitros possam atingir o topo da arbitragem nacional e internacional.
N.: Como é que o NAFISM pretende continuar a interferir na performance dos árbitros micaelenses?
B.C.: Como temos vindo a fazer e, como já referi, pretendemos continuar a apostar de forma forte e inequívoca na formação dos árbitros. Apostar forte na formação técnica e prática, investindo cada vez mais nas sessões técnicas e nos treinos. Sabemos que um árbitro capaz e melhor preparado para enfrentar todos os desafios que dia após dia, jogo após jogo, nos são colocados a frente, só o pode fazer com muito trabalho e dedicação. E, para isto acontecer, podem eles contar sempre com o NAFISM e iremos fazer de tudo para que assim continue a ser. O centro de treinos, criado ao abrigo do acordo já existente entre a AFPD e as instituições regionais que tutelam o desporto, foi certamente um passo importante para que os árbitros nossos associados pudessem trabalhar de uma forma mais séria e ter condições para poder trabalhar ao mesmo nível que todos os outros árbitros a nível nacional. Posso afirmar, por conhecimento pessoal, que as condições que temos (apesar das limitações impostas) são de topo, pois muitos árbitros a nível nacional não têm a possibilidade de ter um campo com as condições do Complexo Desportivo das Laranjeiras, e muito menos tão perto de 90% dos árbitros, sendo que a distância entre a casa/trabalho e o campo não é superior a 20 quilómetros. Iremos apostar nas sessões técnicas, abrangendo novas temáticas e com temas variados e de extrema importância para a evolução da arbitragem. Aposta será nesse sentido e estou certo que tal como foi até agora, voltará a ser uma aposta ganha.
N.: Neste momento, o que o NAFISM precisa para se tornar numa instituição mais forte?
B.C.: O NAFISM é, como já disse, uma instituição que, apesar de jovem, já tem o seu lugar no panorama nacional e já é referência a alguns níveis perante os demais núcleos. Isto foi obtido através de alguns protocolos de parceria com os nossos homólogos, apostando num intercâmbio de experiências a nível de formação. Contudo, uma instituição como são os núcleos de árbitros vive é dos seus sócios e da união da classe. Infelizmente, ainda não conseguimos obter uma quota máxima de sócios, já que de entre os cerca de 68 árbitros existentes, apenas contamos com 44 associados (sendo que destes, seis não estão no ativo). Mas é considerado um excelente número, uma vez que conseguimos abranger mais de 60% dos árbitros inscritos na AFPD. Seria de extrema importância que todos os árbitros desta associação fossem associados do NAFISM, visto que só assim a classe estaria verdadeiramente unida e em conjunto trabalharíamos em prol desta classe. Não poderia deixar de dizer que, mesmo contando com apenas 44 sócios, a participação destes sócios deverá ser cada vez mais assídua, tanto a nível da componente física/prática (os treinos) e teórico (as sessões técnicas) como a nível dos eventos organizados pelo núcleo. Como diz o nosso lema, “unidos por uma arbitragem melhor”, só verdadeiramente unidos ele fará sentido.
“O que se procurava era uma instituição que falasse em nome de todos os árbitros”
“Penso que com a criação do NAFISM, a defesa dos direitos dos árbitros ficou verdadeiramente vincada”
Árbitro há 12 anos, Sérgio Costa é um dos árbitros mais experientes da AFPD.
“Quem sabe o que o futuro me reserva”
Foto: NAFISM
Foto: Direitos Reservados
Foto: NAFISM
Foto: NAFISM
“Apostar forte na formação técnica e prática, investindo cada vez mais nas sessões técnicas e nos treinos.”
“Sei a importância que tive na criação do núcleo e da importância que tenho na sua continuidade”
NAFISM - Núcleo de Árbitros de Futebol da Ilha de São Miguel